A atual crise
econômica é a pior que vivemos depois do Plano Real. Por causa dela, as vendas
no varejo brasileiro, medidas pela Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE,
registraram um crescimento nominal de apenas 4,1% entre janeiro e maio deste
ano, em comparação com o mesmo período do ano passado - bem menos que os 8,47%
de inflação no período. A situação nos shoppings foi ainda pior: as vendas
nominais subiram somente 2,43%, segundo dados apurados pela ABRASCE -
Associação Brasileira de Shopping Centers.
Diante de um quadro
tão preocupante, economistas, jornalistas e marqueteiros, entre outros, tem se
dedicado a exercícios de futurologia, na tentativa de prever como os
consumidores se comportarão nos próximos meses. Como gosto de caminhar na
contramão, preferi olhar para trás. E ao rever dados relativos à crise na qual
os Estados Unidos se enfiaram no finalzinho de 2008 concluí que são grandes as
chances do futuro brasileiro repetir o passado americano.
Para quem não se
recorda, vale lembrar que uma quebradeira no sistema financeiro norte americano
mergulhou o país do Tio Sam em uma violenta recessão, com gravíssimos reflexos
no varejo. Para se ter ideia do problema, basta dizer que as vendas do comércio
em dezembro de 2008 caíram 9,8% em relação a 2007. Imagine uma queda de quase
10% em pleno Natal. Pois foi exatamente isso o que aconteceu por lá.
A resposta dos
lojistas nos Estados Unidos veio na forma de liquidações. A Saks chegou a
oferecer produtos com 80% de descontos no pós Natal. Se por um lado a
estratégia ajudou um pouco a girar os estoques, de outro comprometeu seriamente
a lucratividade dos varejistas. Cerca de sete anos depois, o comércio
brasileiro responde à nossa crise aqui de maneira parecida. As liquidações
estão por toda parte e tudo indica que se estenderão ao longo do ano em muitos
setores.
Mas as semelhanças entre
os Estados Unidos de 2008 e o Brasil de 2015 não param por aí. Pesquisas
apresentadas pela Miller Zell na convenção da NRF (National Retail Federation)
de 2009 mostraram que 61% dos consumidores americanos passaram a gastar menos em
eletrônicos e 64% cortaram gastos em roupas durante a recessão. Agora, adivinha
quais foram os segmentos mais afetados pela crise brasileira? Isso mesmo - as
vendas REAIS de móveis e eletrodomésticos caíram 10,9% entre janeiro e maio
desse ano, enquanto as de vestuário e calçados recuaram 5%, segundo o IBGE. Nos
shoppings a situação não é diferente.
A pesquisa da Miller
Zell indicou ainda que nada menos que 1/3 dos americanos, em função da crise de
2008, trocaram marcas tradicionais de vestuário por marcas próprias de lojas de
departamento. O período marcou também um crescimento do varejo de moda batizado
de 'cheap chic' (barato e chique), representado por Uniqlo, H&M e companhia
limitada. No Brasil, quem destoa dos números negativos do segmento de moda são
justamente marcas que podem ser consideradas 'cheap & chic', como Forever
21 e Renner, por exemplo.
Como o varejo
americano enfrentou a crise de 2008? As armas foram basicamente três: redução
do desperdício, elevação da eficiência e maior esforço de ativação dos clientes
que as marcas já possuíam. Isso significou corte de custos e diminuição de
riscos, passando inclusive pela redução do tamanho das lojas. E também maiores
investimentos em capital humano, nos canais de venda virtuais e na revisão do
portfólio de fornecedores, assim como na melhoria da experiência de compra dos
consumidores nas lojas. Como você já deve ter concluído, muitas dessas medidas
já podem ser sentidas no Brasil de 2015.
Nos Estados Unidos de
2008, uma palavra entrou para o dicionário dos consumidores: frugalidade. Em
outras palavras, a austeridade nas compras entrou na moda e as pessoas
orgulhavam-se dos descontos e preços baixos que conseguiam obter. Ao mesmo
tempo, muitos usavam parte do dinheiro economizado nas barganhas para
presentar-se com indulgências, tais como produtos de beleza e brinquedinhos,
como iPods e iPhones.
Voltando ao Brasil de
2015, análises recentes divulgadas pela dunnhumby apontam claramente o
surgimento de um segmento de consumidores brasileiros, que representa cerca de
25% da população tupiniquim, que para manter o padrão de vida conquistado
economizam em produtos básicos para custear a compra de pequenos luxos e
indulgências. Justamente como os americanos em 2008. E enganam-se os que pensam
que o fenômeno é exclusivo da emergente Classe C. Ainda de acordo com o pessoal
da dunnhumby, as classes A e B andam surfando a mesma onda.
É evidente que todas
essas convergências não são simples coincidências e merecem reflexão por parte
da comunidade varejista brasileira.
A crise de 2008, que
só agora começa a ser deixada para trás pelos Estados Unidos, deixou marcas
profundas no consumidor americano e foi o ponto de partida para importantes
mudanças no varejo. Na NRF de 2009, H. Lee Scott, então CEO do Walmart, às
vésperas da aposentadoria, disse em sua palestra uma frase de impacto:
"Hard questions are not made during good times” (algo como 'perguntas
difíceis não são feitas durante os bons tempos). Para nós, os bons tempos
parecem ter ficado para trás. A hora é de reunir coragem para garantir uma
travessia menos turbulenta em direção ao futuro.
Um comentário:
Luiz na sua opinião os americanos foram mais rápidos que os brasileiros na tomada de decisão ou por aqui estamos mais espertos do que eles já que temos esse exemplo?
Boa sorte!
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