quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Propósito entrou de vez na agenda do varejo. Deveria também ser prioridade para shopping centers?

Pelo segundo ano consecutivo, propósito foi um dos assuntos mais destacados nas palestras do NRF Retail’s Big Show, em Nova Iorque. Tanto quanto transformação digital, omnicanalidade e a ressignificação das lojas físicas, o tema vem ganhando importância na estratégia das empresas que surfam as ondas do Novo Varejo.
Para começo de conversa, que bicho é esse? O que significa propósito?
Muita gente acha que propósito de uma empresa é vender produtos ou serviços. Estão enganados. Isso é o QUE elas fazem. Propósito tem a ver com o PORQUÊ elas fazem, a razão de elas existirem. Quer um exemplo? A Warby Parker foi criada a partir do desejo de seus fundadores de oferecer acesso a óculos de grau a mais pessoas ao redor do mundo. Essa é a razão de ela existir, para isso foi criada. E por isso é tão querida por seus clientes.
Conheço pessoas que ainda acreditam que o propósito de suas empresas é produzir lucros. O problema de quem pensa assim é que marcas orientadas apenas para transações são cada vez menos relevantes para os consumidores. A boa notícia é que lucros e propósito não são conceitos antagônicos. Como explicou Hubert Joly, CEO da Best Buy, em concorrida sessão no NRF deste ano, “você precisa ter lucro para se manter nos negócios, mas o propósito deve ser contribuir com clientes, empregados, acionistas e comunidades onde atuamos”.
De fato, pesquisa divulgada pela SAP mostrou que 91% dos consumidores estão dispostos a trocar de marca por outra, de preço e qualidade similares, que tenha propósito. Durante o NRF, Jostein Solheim, head da operação de Alimentos e Bebidas da Unilever na América do Norte, confirmou a ideia de que ter propósito traz benefícios aos negócios, ao afirmar que as marcas do portfólio da Unilever com propósito, como Ben & Jerry’s, possuem melhor desempenho do que as demais.
Em grande parte, esse movimento tem sido impulsionado pelas novas gerações de consumidores. Varejo e shoppings ainda se orientam bastante pela lógica da Geração X, composta por pessoas nascidas entre 1960 e 1979, que privilegiam status e exclusividade. Millennials, no entanto, possuem valores diferentes. São globais, questionadores, preferem usufruir de experiências do que possuir produtos caros e exigem das marcas posicionamento claro. A turminha que vem depois, batizada de Geração Z, é ainda mais radical. Pesquisa da Box 1824 revelou que 53% dessa garotada militam por alguma causa e 64% almejam nada menos do que mudar o mundo. Abraçar propósito, portanto, é vital para assegurar relevância e, principalmente, perenidade.
O Big Show do NRF dedicou, este ano, várias sessões ao tema. Uma delas mostrou que o propósito da Patagonia, marca de roupas e artigos esportivos, é simplesmente ajudar a salvar o planeta. Isso passa por apoiar financeiramente organizações engajadas na proteção do meio ambiente, estimular o ativismo de clientes e funcionários e estimular o consumo consciente. Uma das iniciativas mais interessantes é a que leva a comunidades distantes o serviço de reparo de produtos da Patagonia, para que as pessoas não precisem comprar novos itens sem necessidade. Já a Best Buy definiu que seu propósito não é apenas vender produtos de tecnologia e sim ajudar a melhorar a vida das pessoas, por meio dela. Por isso desenvolve programas como o Teen Tech Center, que oferece treinamento e mentoria para que adolescentes de bairros pobres possam desenvolver seus talentos e ter mais oportunidades, com ajuda de produtos da Best Buy.
Em geral, as abordagens variam entre marcas que promovem valores compartilhados com seus clientes e aquelas que investem em causas socioambientais. Fazer a diferença na vida das pessoas, sejam consumidores, colaboradores ou toda uma comunidade, é o desafio. Como enfatizou Peter McGuiness, CMO da marca americana de iogurtes Chobani, durante o NRF, é preciso ir além da venda de produtos. Quando isso acontece, você deixa de desenvolver uma base de clientes e passa a apoiar a construção de uma comunidade de pessoas unidas em torno de crenças e valores semelhantes – algo bem mais poderoso.
No universo do varejo as marcas já perceberam que orientar seus negócios por propósito é um caminho sem volta. Já entre os shopping centers essa percepção só agora parece despontar com mais força, mas deve também ganhar tração rapidamente. A transferência de poder para os consumidores, dotados de mais opções e com informação em tempo real na palma das mãos, vai mudar o jogo para todo mundo. Tendo à disposição mais opções de locais para compras e diversão, eles darão preferência aos shoppings com os quais tiverem maior identificação. E isso, claro, passa pelo propósito, que vai, por isso mesmo, ganhar prioridade na agenda dos shopping centers brasileiros.
Consumidores, lojistas, acionistas e o próprio planeta agradecem.

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