Quando profissionais de shopping centers se encontram, seja onde for, a conversa é uma só: as mudanças que acontecem, de maneira cada vez mais rápida, no formato do produto. Não foi diferente na RECON Latin America, mais importante evento do setor no continente, promovido semana passada pelo International Council of Shopping Centers, em Lima, onde fiz uma apresentação sobre tendências do varejo.
Alimentação foi um dos temas mais destacados no encontro. Não por acaso. Números apresentados por Tom McGee, presidente do ICSC, mostram que o gasto dos latino-americanos em comida e bebida consumida fora do lar cresceu mais do que o de produtos e serviços. Mas nem tudo são flores. Durante a apresentação dos colombianos da Rappi foi possível perceber que o rápido crescimento dos serviços de delivery de alimentação pode trazer oportunidades, mas também ameaças para os shoppings.
Até o mês passado o Rappi já operava na América Latina 213 dark kitchens, cozinhas industriais instaladas em prédios localizados em áreas menos nobres, de onde produz e envia pratos encomendados pelos clientes por meio de seu aplicativo. Até o final do ano estima-se que esse número vai pular para 350. Só no Brasil há hoje 35 dessas cozinhas. As dark kitchens podem concorrer diretamente com as praças de alimentação mas, em tese, atendem prioritariamente clientes que não estariam dispostos a deslocar-se até lá. Neste sentido, os shoppings poderiam dispor de espaços periféricos, no estacionamento ou áreas técnicas, por exemplo, para abrigar dark kitchens e lucrar com a onda.
Quando o assunto foi varejo em shopping, todos os palestrantes concordaram que a hora é das lojas que proporcionam experiências para seus clientes. O futurista do varejo britânico Howard Saunders foi feliz ao definir essas lojas como ‘playgrounds das marcas’, onde os consumidores podem vivenciar um conceito que os aproxima daqueles produtos ou serviços, inclusive em outros canais. O arquiteto uruguaio Gómes Platero recorreu à expressão do escritor Doug Stephens para defender a ideia de haver ‘less stores, more stories’ (menos lojas, mais histórias) nos shopping centers.
Mas nenhum aspecto foi mais marcante do que a visão do shopping como um equipamento com funções muito mais amplas e abrangentes do que simplesmente reunir boas opções de compra. De acordo com McGee, houve nos Estados Unidos, entre 2000 e 2018, um crescimento de 148% na quantidade de projetos de uso misto, aqueles que envolvem não apenas centros comerciais como ainda escritórios, residências, hotéis, locais de eventos, universidades, clínicas etc.
Nas palavras de Platero, os shoppings serão cada vez mais destinos ‘hipermistos’, vocacionados a proporcionar isso tudo e também momentos felizes aos seus frequentadores. Na mesma direção, Juan José Calle, Superintendente do Jockey Plaza Shopping Center, de Lima, disse que seu objetivo é reproduzir o ambiente de uma cidade onde as pessoas são felizes. Não deixa de ser notável que centros comerciais comecem a assumir plenamente o propósito de estimular a felicidade, tendo o consumo como uma consequência natural desse movimento.
Sem dúvida, a poderosa tendência do ‘Work, Live, Play’ (Trabalhe, Viva e Divirta-se), começa enfim a instalar-se também em nosso continente, influenciando não apenas a arquitetura e o mix de lojas dos novos empreendimentos, como influenciando ainda a transformação dos mais antigos. Nesse cenário, o menos recomendável é fazer mais do mesmo. Inovar é obrigatório.